Vinho a melhor bebida do universo
Esquina dos vinhos - Londres, de onde estou chegando, é o mercado onde se cruzam vinhos de toda a parte do mundo. Mais até do que em Nova York, os comerciantes têm um papel fundamental na formação de preços, como Berry Bros.& Rudd e Farr Vintners. O número de importadores e negociantes (dealers) ultrapassa o dos Estados Unidos. Todo evento amplo de vinhos, daqueles que fecham hotéis e são apresentados por produtores, acontece em Londres. Ao comprar muito a futuro e distribuir pelos clientes mundo afora, os dealers têm peso nas revistas especializadas e entre os conhecedores que frequentam as lojas e degustações. Sobretudo com a clientela do extremo Oriente, leia-se China.
Reavaliação de Bordeaux - As superdivulgadas safras de 2010, 09 e 05 ficaram fora do alcance do comum dos mortais. Os produtores de Bordeaux resolveram precificar essas safras no alto, aproveitando o que eles achavam que seria um boom sustentado pelos mercados russo e chinês, voltados para o luxo. Esse mercado se manteve porque os chineses o garantem. Mas duas safras dos anos 2000 começam a ser procuradas pelos que ainda não desistiram de beber vinhos simplesmente, sem ostentação. São as de 04 e 06, em alguns casos mesmo a 07. São vinhos que agora se abrem, de produtores menos falados no Médoc e em St Emilion. Algumas pechinchas, basta procurar bem. Aqui infelizmente a escolha é reduzida, mas os bons negócios existem.
O caso dos borgonhas brancos – Nada embaraçou mais os produtores franceses do que os casos de oxidação prematura dos borgonhas brancos dos últimos 15 anos. Grandes vinhos, entre os mais caros do mundo, feitos pelos produtores que há mais de século lançam pequenas quantidades, não aguentam o tempo. O que eram obras primas da vinificação em branco se mostraram oxidados. E estamos falando dos célebres vinhos da Côte d'Or, os de Beaune, Puligny-Montrachet, Chassagne-Montrachet, o próprio Montrachet, e até mesmo os meursaults. Em menos de cinco anos eles mudaram de cor ou ficaram avinagrados. Perderam os aromas. Produtores de renome como Lafon, Leflaive, Javillier, Jadot, Girardin, Drouhin buscam explicações.
Capricho demais - Entre as respostas possíveis, segundo enólogos ouvidos pela revista inglesa Decanter, está o zelo excessivo na concentração do mosto das uvas, no próprio processo de extração. Os produtores, querendo fazer um vinho sempre mais sedoso e sem arestas de acidez, se esmeraram em colher as uvas tarde demais. Utilizaram barricas de madeira nova no envelhecimento. Deixaram o vinho amadurecer nos tonéis muito tempo para que ele perdesse qualquer aspereza. O resultado é que mesmo safras que nas primeiras provas eram promissoras não suportaram a prova do tempo. De 2002 para cá os brancos da Borgonha devem ser olhados com reservas.
Jubuleu orgulhoso - O movimento internacional Slow Food está fazendo 25 anos, um quarto de século. Já é bastante? Não. Poucas pessoas no circuito internacional da gastronomia e vinhos sabem o que é o Slow Food, quais os princípios que regem essa associação voluntária. Não é só uma resposta ao hambúrguer. É uma conscientização que se multiplica a cada vez que um chefe de cozinha ou um sommelier se debruça sobre a natureza. Carlo Petrini, o fundador do movimento, destaca a importância do consumidor de vinhos. "Ele quer ter o próprio julgamento, não ser dirigido pelos juízos de valor (inclusive esse Express...)”
Rieslings diferentes - Estão melhores e mais típicos os rieslings da Austrália. Sempre foi uma preocupação dos australianos - produzir um branco a partir de uma uva que se adaptasse ao terreno. A região que melhores resultados mostrou foi o vale Clare, na parte sul. De início, os vinhos tendiam a uma sapidez um pouco adocicada. Agora mostram acentuada mineralidade, um equilíbrio de fruta e acidez. O que não quer dizer açúcar residual - embora ele exista em quantidades justas. Dos oito rieslings que receberam a cotação cinco estrelas na Decanter, seis são do vale Clare. Os dois dos produtores presentes em São Paulo, Jim Barry e St Hallets, obtiveram quatro.
Oceano no meio - Essa discussão Novo Mundo versus Velho Mundo às vezes parece um pouco fora de foco. O paladar americano elege estilos de vinhos que o paladar europeu considera pouco gastronômicos. Os vinhos americanos tendem ao corpo, à espessura, ao doce. Os europeus, à acidez e ao equilíbrio. Os americanos gostam de elevadas gradações alcoólicas, acima de 14 graus. Os europeus consideram 12,5 a quintessência da elegância. O que para o gosto britânico pode parecer refinado e equilibrado para o americano parece magro, vegetal e diluído. Não há nada a fazer. A conciliação é impossível. Daí a perda de prestígio do estilo americano, como os supertoscanos, os espanhóis e os Languedoc.
Colheita 2011 - As regiões francesas de Champagne, Bordeaux e Borgonha se prepararam e realizaram suas colheitas um pouco mais cedo este ano. Muitos cancelaram as férias de agosto para estar a postos em seus "domaines" diante de uma das colheitas mais antecipadas dos últimos anos. Normalmente se começam as "vendanges" 90 a 100 dias após o florescimento das vinhas, mas este ano as flores brotaram bem antes. Já nos primeiros dias de maio em Bordeaux os vinhedos floresciam em boa parte do Médoc e de Saint-Emilion. Anne Claude Leflaive, "prima inter pares" dos produtores de Puligny Montrachet na Borgonha disse que não se via um florescer tão adiantado desde 1893.
Briga dos "naturebas" - Nada opõe apreciadores de vinho de forma tão incandescente quanto a chegada dos vinhos naturais - os orgânicos e os biodinâmicos. Os orgânicos não toleram nenhum acréscimo da mão do homem, seja no vinho seja na adega. Os biodinâmicos aceitam certos produtos de conservação como os sulfitos, em quantidade mínima, mas respeitam a natureza. Deixam crescer ervas entre os pés de vinhas e obedecem a ciclos do calendário - terreno, lunar, solar ou zodiacal - para plantar, colher e vinificar. O que se diz entre os degustadores é que os naturais não trabalham a vinha de acordo com a tradição. Os vinhos se oxidam cedo, com o ranço e a cor do tempo. Briga que vai continuar.
Harmonização da semana - Quem se lembra da carne assada, aquela com espesso molho e muitas vezes recheada de um paio ou linguiça? É receita caseira da qual infelizmente nossos restaurantes passam ao largo. Pois foi com um prato desses que experimentei tintos de Portugal e da Itália - uns da região do Douro, outros da Toscana. Os tintos do Douro me pareceram espessos, mais densos até que o próprio molho ferrugem que eles deveriam escoltar. Não encontrei neles a leveza e o equilíbrio necessários a uma harmonização gastronômica. Em compensação os chiantis, um morellino e um sangiovese IGT. testados meio fora de ordem, estiveram à altura do prato. Ponto para os toscanos.
O vinho reflui - Quatro grandes vertentes dominam o extenso mercado de vinhos hoje. Quatro tendências. Na ponta do consumo em volume, vinhos de grande produção, de supermercado, que sofrem bastante porque são obrigados a fazer preço para os compradores de atacado. Dono de supermercado nunca foi aliado do produtor de vinho. Logo em seguida vem os industriais e de cooperativas de porte, muitos de marca (brands), que giram de dois milhões de garrafas para mais. Em seguida vêm as vinícolas familiares, individualistas, de preço sério forte e qualidade cuidada. E na ponta do artesanato simples, os orgânicos, biodinâmicos e os produtores de giro baixo, autores de descobertas, cultores de detalhes. Quem fez essa divisão - e aqui presto minha homenagem ao mais radical dos radicais do vinho -, foi o crítico e cineasta Jonathan Nossiter num artigo no caderno Ela do Globo na semana que passou. Jonathan sintetizou as direções para onde segue o vinho moderno – aparentemente uma grande confusão de nomes, denominações de origem, regulações locais, nomenclaturas e novas chegadas. Hungria, Eslovênia, Turquia, Grécia (que passa por um inferno astral), Suíça, Romênia, Uruguai e, sobretudo, no nível de alta competição, Áustria, Alemanha e regiões antes negligenciadas da Itália. Deixei Portugal de fora porque, não contando o vinho do Porto, os alentejanos, ribatejanos e durienses ainda buscam identidade. E os vinhos espanhóis falam com sotaque americano...
Harmonizações da semana – Os brancos dominam as harmonizações segundo o último guia de Hugh Johnson. Contei sugestões de combinações divididas em seções - entradas, pratos de peixe, pratos principais (de carne, caça e receitas tradicionais), sobremesas e, num capítulo à parte, queijos. Das mais de 40 entradas, apenas duas, apenas a pasta ao pesto e o risotto ai funghi pedem tintos. Todos os produtos do mar exigem brancos a não ser a lampreia à vordalesa, que como o nome indica pede um bordeaux ou um douro. As carnes e caças - de 59 comidas, sem contar as variações de receita -, pedem vinho branco: caças frias (champagne), pratos ao curry, paella, leitão assado, ris de veau, cozinha tailandesa e comida chinesa, sem esquecer o chucrute, que vai bem com brancos alsacianos.
Safra 2010 – Antes não havia muita diferença de safra nos vinhos do Novo Mundo. Agora existe. Seja por causa de La Niña ou do aquecimento global, os produtores se dedicaram mais. Austrália, Nova Zelândia, Argentina, Califórnia e Chile, todos informam variações de 2010 em relação a 2009. Os argentinos declaram um malbec mais concentrado, um clima mais frio e pela primeira vez uma leve diminuição do teor alcoólico, o que é para ser comemorado. A Nova Zelândia aprendeu a lição com os vizinhos australianos, que nos últimos anos produziram vinho demais paras supermercado e viram o preço desabar. A Califórnia ficou mais perto do gosto europeu, vinhos mais elegantes - nem sempre um trunfo para eles. O Chile sofreu com o terremoto, mas fez coisa boa. Na Europa, foi difícil chegar ao nível de 2009. Em Bordeaux aparentemente a cabernet esteve melhor que a merlot. Mau tempo em setembro na Borgonha sugere que a safra não terá vida longa nem foi abundante, só os grandes nomes foram bem sucedidos. Os vales do Loire e do Rhône, em compensação, atingiram níveis de excelência em várias denominações, com rendimentos baixos e taninos macios. Champagne teve resultado ainda indefinido, as casas não decidiram se vão declarar o ano no rótulo. Na Alemanha o verão forte e um outubro de tempo bom garantiram a qualidade, embora ela não chegue ao nível de 09. Os austríacos tiveram um ano mais difícil que o anterior.
Nomes franceses – Agora não vai mais haver vinhos AOC nem VDP na França. Em lugar dessas siglas, outras: AOP e IGP. O que quer dizer essa sopa de letras? AOC significa denominação de origem controlada ("appellation d'origine controlée"). É a classificação dos vinhos. A maioria deles é AOC. São centenas de denominações, em geral referentes ao lugar de origem dos vinhos. Vai passar a ser AOP, denominação de origem protegida. E o "vin de pays", que designa vinhos de mesa simples, vai passar a ser Indicação Geográfica Protegida. Os vinhos não mudam. Como eles dizem, "plus ça change plus ça devient la même chose", quanto mais muda, mais fica a mesma coisa.
Nomes espanhóis – A Espanha não quer ficar atrás e tratou de mudar a classificação dos vinhos também. Mudou as siglas. A Denominación de Orígen, DO, e a Denominación de Orígen Calificada, DOC, vão virar uma só, a Denominación de Orígen Protegida, com uma subdivisão para os vinhos de qualidade de determinados terrenos demarcados, os "vinos de pago" (pago quer dizer vinhedo). Os comuns vão ser designados "Vinos de Calidadd de Indicación Geográfica", o mesmo que fizeram os franceses. O problema é que deram esse título a quatro "pagos" em Castilla-La Mancha e três em Navarra. Grandes vinhedos como Pingus, L'Ermita e Calvario ficaram de fora.
Força portuguesa – Os produtores da região do Douro, Norte de Portugal, estão mesmo achando que fazem um vinho competitivo e que pode enfrentar os grandes da França, da Itália e dos Estados Unidos. Os preços dos tintos de mesa (os do Porto estão deprimidos) rivalizam com bons bordeaux, borgonhas, com os vinhos de Pago citados acima e com os poucos americanos lendários que ainda resistem. Quinta do Vale Meão, CV, de Christiano van Zeller, Chryseia da família Symington, Quinta da Leda da Sogrape e o Vinha da Ponte da Quinta do Crasto são vendidos a preço de supervinho. Provei alguns, gradação alcoólica elevada, traços fortes de baunilha, muita concentração. Enfim, estilo americano.
Com ou sem música – Viraram mesmo uma lembrança os restaurantes japoneses silenciosos, onde se via algum cliente de traços orientais comendo discretamente seu sushi e degustando um sake, ritualmente, como na cerimônia do chá. Durante anos busquei essa quietude até ver que tudo mudou e hoje devoram-se combinados em alfazarra, ao com de música de boate ou funk invasivo. Há exceções, mas só na hora do almoço. Os pratos japoneses são excelentes escoltas para vinhos brancos das uvas riesling, sauvignon-blanc, pinot-grigio e arneis, para citar apenas algumas. Com uma coisa eles não combinam: música, nem mesmo os sons étnicos do Oriente.
Harmonização da semana – Foram três tentativas para acompanhar um simples rosbife fatiado, frio, bem feito, molho à parte, e uma salada de batatas, depois de uma entrada de salmão defumado. Meu primeiro gesto foi em direção a um português do Douro, o Altano 08, vinho com 100% de certificação orgânica, portanto aprovadíssimo pelos verdes. Estava denso, escuro e potente para as finas camadas de rosbife (pulei o salmão, claro). Passei aos brancos. O Picpoul de Pinet Beauvignac 2010, um Languedoc branco das Caves Costières de Pomerols melhorou o clima geral. O prato simples agradeceu. Mais ainda com um suntuoso Alsace Grand Cru Kitterlé 05 dos Domaines Schlumberger, esplêndido riesling que está no estoque do Club du Tastevin no Rio e São Paulo.
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