Por Renato Machado
Mais concorrentes - Ouviu falar num espumante da região inglesa de Sussex, chamado Grosvenor Blanc des Blancs de uma propriedade denominada Ridgeway? Não, claro, nem eu. Nem ninguém sabia ou imaginava que um espumante do sul da Inglaterra pudesse ganhar um troféu internacional. Mas foi da revista Decanter (que é inglesa, óbvio) na categoria Espumantes Acima de 10 Libras. Teve prêmio para muita gente - 209 medalhas de ouro, 99 troféus regionais e 28 troféus internacionais. Estes, imagina-se, podem ter um apelo maior para a comunidade de apreciadores de vinho. Daí a importância do prêmio dado ao espumante inglês. Mas mesmo assim...
Outros prêmios - Só para se ter uma idéia da amplitude do interesse dos ingleses: na categoria Sauvignon Blanc, abaixo de 10 Libras (há sempre dois prêmios, um para o mais caro outro para o menos), ganhou um chileno, Viña Mayu 09, nunca visto por aqui. Acima de 10 libras, outro chileno, o Viña Casa Marin Cipreses Vineyard 09, também desconhecido dos vizinhos. Ambos com mais de 13% de álcool. A Nova Zelândia levou o Melhor Pinot Noir acima de 10 libras, com um vinho chamado Schubert Block B Pinot Noir 08 da região de Martinborough. O que deve ter deixado os franceses com um sorriso irônico (eles não levam assim tão a sério essa revista). Mas preocupados, isso eles ficam.
E os vencedores são... - Dos ganhadores internacionais, os que vi agora representados no Brasil são muito poucos: o Domaine Vistalba argentino levou o Troféu de Melhor Tinto abaixo de 10 Libras, uma mistura de malbec e syrah da Patagônia, região bem ao sul do hemisfério, onde as temperaturas, mesmo em áreas desérticas, chegam a índices muito baixos. O vinho custa pouco mais de oito libras no mercado varejista em Londres - o que nos deixa perplexos. Outro que está presente em nossas importadoras é o excelente Chateau Bouscassé, um vinho doce, da Pacherenc du Vic Bilh, raridade só conhecida dos apreciadores, perto dos Pinireuis no lado francês.
Nome esquisito, vinho esplêndido - E é justamente a essas uvas que compõem os pacherencs du vic-bilh (que nome, gente...) que podemos voltar nossa atenção. São a petit manseng, a gros manseng, basicamente. E algumas outras locais que não existem mais em lugar algum. Fazem um vinho branco doce muito apreciado nas sobremesas – mas, sobretudo, fazem um vinho seco de supremos aromas e pungentes sabores. O pacherenc du vic bilh é a resposta da região do Madiran ao vinho excelente chamado Jurabnçon, dos pIrineus, na fronteira com a Espanha. É elegante, de longa permanência em boca e pleno de aromas. Um vinho que qualifica quem o oferece.
Tradição, certeza - Os vinhedos de Albert Mann, na Alsácia, França. Puros rielsings e pinots blancs de 2007 e 2008 tiveram no último teste internacional da revista Decanter a justa menção que há longo tempo mereciam. São vinhos de intensa fragrância mineral e ao mesmo tempo potente presença de fruta, como só os rieslings alsacianos de velha tradição podem dar. E aqui a gente tem que mencionar um detalhe importante: a qualidade mineral do vinho alsaciano – aliás, do vinho do Reno em geral - é tanto maior quanto mais intenso for seu aroma de xisto, de betume, às vezes de querosene e petróleo. Esta é uma virtude, nunca um defeito.
Oxidações - O problema com as garrafas de vinho abertas durante um tempo razoável - digamos, mais de três horas - é a oxidação. Um gosto que tende ao vinagre, um aroma que se evola e se deixa identificar: na lembrança olfativa vêm os laboratórios, as aulas de química, até certos temperos de salada são evocados. É fácil de compreender se a gente pensar no que acontece quando, por exemplo, se morde uma maçã e se esperam alguns minutos. A maçã, ou a pêra, ou qualquer fruta, vai escurecer pela ação do oxigênio, do ar. Para evitar esse inimigo sempre presente, inventaram-se as rolhas. Antes dela, o vinho se perdia. Durava pouco e se estragava. A rolha mudou, na verdade, o valor do vinho, tornou- um bem quantificável. Mas mesmo através dela o ar pode passar - e acabar oxidando o conteúdo.
Defeitos - Será esse o defeito mais comum nas garrafas que não nos agradam? Não, há outro ainda pior. É o efeito da própria rolha. Quem pensou que ela resolvia tudo se enganou. A cortiça tem que ser plantada e tratada com muita técnica para não desenvolver bactérias que a corroem e terminam por destruí-la. Esse defeito, na língua francesa, se chama "bouchonné", que vem da palavra "bouchon", rolha. Um vinho bouchonné tem um cheiro forte e um gosto de cogumelos estragados, de matéria em decomposição. Sente-se muito mais rapidamente do que a oxidação. Hoje esse fungo de rolha, que quimicamente se chama tri-cloro-anisol, ou TCA, atinge uma em cada 10 garrafas compradas no comércio.
Por que o decantador? - Para evitar que se sirvam vinhos estragados - e para que se possa eliminar qualquer depósito que exista no fundo das garrafas - os profissionais desse ramo usam uma jarra grande e transparente, o decantador. Mania mais inglesa que francesa, na verdade. Mas adotada em muitos lugares de apreciadores, porque permite a aeração necessária a um vinho muito jovem, por exemplo. Claro que quanto mais se usa o decantador, mais rapidamente o vinho vai entrar em contato com o ar e consequentemente se oxidar. Os produtores regionais na França desdenham essa prática, que qualificam de chique e besta. Não decantam vinhos, porque acham que eles amadureceram o suficiente quando foram engarrafados. Mas que é bonito, é...
Por que mesmo? - Há vinhos que realmente precisam de decantação. Do jeito que estão a produção e o consumo no Novo Mundo, por exemplo, onde se vende o que produziu no ano anterior, é preciso abrir as garrafas longo tempo antes de consumi-las. Caso de muitos vinhos chilenos, que buscam sofregamente o mercado exportador e não são amadurecidos no tempo certo. Mesma coisa acontece no sul da França, na Espanha e em várias regiões italianas. Colhe-se vinho ainda verde, usa-se carvalho novo para eliminar um pouco da acidez e se engarrafa o mais rapidamente possível possa. Os decantadores de mesa ganharam mercado porque os vinhos nos Estados Unidos são consumidos jovens demais. O que funciona para o gosto americano não funciona necessariamente para todo o mundo, mas todo mundo copia.
Briga de rolha - Tudo isso gerou uma indústria nova - a das rolhas modernas, que não são feitas de cortiça. Existem vários tipos. As sintéticas, de um composto industrial onde entra muito material químico; as de metal, tampinhas parecidas com aquelas de rosca usadas em remédios e refrigerantes; e as tradicionais de cortiça, que precisam de uma culutra apropriada de uma árvore, o sobreiro, cujo maior produtor é Portugal. A briga pelo mercado chegou aos jornais. Muitos acusaram a rolha de cortiça de não ser eficaz e estar na origem da degradação do meio ambiente. Os portugueses responderam com o replantio. Mas as tampas de metal mantêm o vinho mais fresco, porque os testes provaram que elas vedam melhor. Logo os brancos do mundo todo a adotaram. Agora, provaram que ela também pode degradar o vinho e o consumidor... A briga continua.
Investimentos - Quem ouviu o programa dos Dez Anos do CBN Brasil, na última sexta-feira, deve ter se perguntado, diante das dúvidas da Mara Luquet, se o vinho realmente pode se tornar um bom investimento. Como eu fiquei um pouco em cima do muro levando em conta as oscilações do mercado e a crise internacional, é bom lembrar: os investimentos em vinho só valem com as safras valorizadas de Bordeaux. Nenhuma outra região do mundo, nem mesmo o Piemonte que os italianos tanto adoram, tem valor a longo prazo. E mais: não são quaisquer vinhos de Bordeaux que são valorizados. O grande mercado comprador de marcas de alto valor é a Ásia, agora mais especificamente a China. Alguém já me disse que não é por culto ao vinho, nem gosto, mas por ostentação.
Cuidados de mulher - Outro dia em São Paulo, uma colega da CBN, Daniela Braun, se aproximou com um caderninho de repórter e anotou tudo o que se passava no almoço dos Dez Anos, dizendo que tinha chegado a hora de as mulheres participarem mais das escolhas. Se não fizeram até agora, vão fazer. E me fez uma sabatina sobre o que estávamos tomando, um Riesling Donnhof 2008, do Nahe, Alemanha, que ela considerou muito bom. Os tintos ainda prevalecem no gosto das mulheres (lembremo-nos do Château Margaux, o vinho "feminino"). Mas dentre os grandes brancos que conheço, alguns na França, por exemplo, se devem à dedicação das mulheres que os fazem. Um exemplo é a família Faller, do Domaine Weinbach, na Alsácia. A viúva e as filhas, que fazem um vinho esplêndido.
Apostas portuguesas - Os prêmios anuais da revista inglesa Decanter destacam pela primeira vez um considerável número de vinhos portugueses. Só para se ter uma idéia, até o ano passado apenas nove portugueses entraram na lista anual. Neste ano, são mais de cinquenta. Os vinhos do Douro, a região ao norte, onde se produz o vinho do Porto, leva a maior parte das medalhas. O curioso é que pela primeira vez se mencionam os brancos portugueses. Um item negligenciado aqui no Brasil pelos importadores (que ficaram na tradição do vinho verde e não viram o ônibus passar). O Quinta do Vale Meão ganhou o ouro nos tintos. Ganharam medalha de prata brancos de uva nativa que não conhecemos, como Enoport Topázio e Quinta Nova Grainha.
De uma uva só - Muitos ouvintes me perguntam o que quer dizer a palavra "'varietal". É um termo da língua inglesa, que significa variedade, espécie, tipo. Um vinho pode ser feito da variedade cabernet-sauvignon ou da variedade chardonnay. Um é tinto o outro é branco. Quando se faz um vinho só com uma uva, a cabernet-sauvignon, por exemplo, diz-se que ele é um varietal - é feito com a "varietal" cabernet-sauviugon apenas, e isso quer dizer que não entram nele outras uvas na mistura final. Quem insistiu lá nos anos 90 para se distinguir os vinhos pela "varietal" (uva) que os compunha foram os americanos da Califórnia, que não tinham a tradição do terreno nem dos nomes de propriedade. Desenvolveram "varietais" que obrigaram os europeus a repensar sua vinicultura.
Giro no serviço - É importante na hora de servir: como não podemos nos deslocar, em almoços ou jantares maiores, geralmente delegamos aos profissionais contratados o serviço dos vinhos. E as garrafas giram às vezes de forma incoerente. Se estamos no branco de entrada, ou antes no champanha do canapé, é preciso que todos estejam com seus copos consumidos antes de se passar ao primeiro vinho e ao primeiro prato. No segundo prato, é necessário que alguém se incomode para saber se a pessoa quer continuar no mesmo vinho (e se vai aceitar o segundo prato...). Por isso insisto: o vinho de entrada deverá ter credenciais equivalentes às do vinho do prato principal. Como não se presta muita atenção, os brancos acabam negligenciados...